quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Olhar de que?

Foto By Elisa de Paula

E cada um olha para o que pode e não para o que quer. Quem olha para o que quer esquece que pode olhar para o que quiser e não olha para nada.

Então, apenas diga!

Diga, abra a boca e deixa que saía. Qualquer coisa. Deixa que caía. Não meça suas palavras e não se preocupe com o que elas podem causar. Apenas diga. Não me deixe aqui falando. Não me deixe aqui calada. Não me deixe esperando uma palavra desejada.
Apenas diga. Nem que você não saiba. Invente qualquer coisa e diga que tem uma nova pessoa amada.
Diga que sabe o que faz, mesmo se não souber nem quem é. Apenas diga que sabe quem é, mesmo que não faça a menor idéia do que faz. Fale qualquer coisa.
Diga que não sabe quando souber de tudo e que sabe quando nada souber. Diga que eu fui importante. Diga que nada importou. Diga que nunca me amou. Diga que não tive o menor valor.
Apenas diga. Não importa o que seja. Diga que agora tem quem realmente deseja. Diga que é feliz mesmo se for um miserável. Diga que não gosta dele e gosta dela. Diga que é de direita e que ouve Djavan. Diga que se embala com o som brega lendo García Marques. Diga que tatuagens estão por fora e que gosta é de flanela. Diga que TV é o máximo e cinema é o fiasco. Diga que minha profissão é um lixo e que a sua é que importa. Diga que nunca vou conseguir mudar nada.
Mas por favor, apenas diga. Não me deixe aqui calada. Não me deixe desesperada no silêncio. Não me faça acreditar que só eu digo. Pode até gritar que eu não sei de nada. Mas diga e rompa com essa cidade acalantada.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Se você me ajudar eu te dou!

Criaram uma regra aqui em casa que não poderia ser descumprida. Meu pai disse que ninguém poderia ficar acordado depois das 22:00 do dia 24 de dezembro se não o Papai Noel, esperado o ano todo, não viria.
Mas nem precisou de esforço para a regra ser estabelecida e cumprida. Para garantir que tudo daria certo, as 20:00 horas eu e meus irmãos já estávamos dormindo. Não teve nem graça, foi a regra mais fácil já imposta. Ganhar presentes era muito melhor do que dormir depois das 22:00.
Depois veio uma história que toda vez que comêssemos todo o prato, com cenoura, repolho e tudo mais, ganharíamos um chocolate de sobremesa. Cenoura nem é tão ruim assim. O que custava comer tudo? Pronto. Nem um prato vazio e muito chocolate para nós.
Teve também a fada do dente que dava uma moeda em troca do dentinho. Ninguém nem reclamava quando perdia o dente. Ficava é contente. Algum iria entrar.
Mais tarde se tirássemos boa nota ganhávamos mesadas. Se passássemos no colégio poderíamos viajar. Se entrássemos na faculdade ganharíamos um carro.
Foram tantos se, e tantas regras. Que se criou um manual de normas da família.
Agora eu tenho minha casa e veja só. Eles querem que eu os visite uma vez por semana. Mas, se eu não visitar não acontece nada. No começo toda semana eu fazia a visita, com pontualidade britânica. Talvez fosse o medo de não ganhar alguma coisa. Essa regra deveria valer no manual de normas. Mas, realmente, o tempo passava e nada acontecia. O tempo foi passando e as visitas eram cada vez mais raras.
Um belo dia meu pai, com um ar autoritário, muito nervoso veio fazer a reclamação. Por coincidência era um almoço de domingo com todos os meus irmãos presentes. Ele nos indagou por que ninguém o visitava. Alegava que o combinado era uma vez por semana. O que estava acontecendo?
Minha sobrinha, sim já estávamos almoçando com a terceira geração da família graças a minha irmã, com a inteligência de seus 3 anos de idade perguntou: Vovô mas o que a gente ganha se vier aqui?
Meu pai se calou e continuou almoçando. Agora ele fica muito feliz quando aparecêssemos lá nas visitas mensais.

sábado, 20 de outubro de 2007

Por que ninguém fede?

Senti um cheiro estranho, um odor desagradável um fedo mesmo. Olhei para os lados para ver se descobria de onde exalava esse cheiro que estava incomodando. De repente entendi que não deveria procurar de onde, mas de quem. Logo percebi que estava com o braço levantado. Pronto o mau odor era meu.
Apesar das pessoas a minha volta sentirem o cheiro e olharem diferente para mim, ninguém reclamou. Todos continuaram fazendo o que tinham para fazer mantendo-se com o máximo de distância possível, evitando o desconforto que o fedo lhes causava.
Continuei o meu caminho com o braço levantado e agora queria entender porque ao invés de um grito de desespero com o incomodo e o fedo que eu estava causando, todos preferiram se afastar. Irritada com a situação comecei a me aproximar daqueles que mais se distanciavam e segui-los para ver o quanto agüentariam.
Pensei que seria por pouco tempo. Estava muito enganada. Um dia inteiro e nada. Alguma coisa eu estava fazendo errado. No dia seguinte, dessa vez sem banho, sai novamente com o braço levantado e decidi focar o meu esforço. Elegi um alvo. Pronto. Aquela seria minha “vítima” por todo o dia. Como será que depois de um dia inteiro de fedo ela reagiria. Para meu desespero não houve reação.
No dia seguinte, no entanto, o meu caso de experimento não retornou. Descobri que decidiu mudar para não ter que conviver comigo. Alguma coisa eu estava fazendo errado. Como um cheiro tão desagradável não causava nenhuma revolta.
Agora a causa estava comprada. Ficaria sem banho e com o dois braços levantados até alguém reclamar. E não qualquer reclamaçãozinha não.Queria uma briga. Briga feia. Se apanhasse não teria o menor problema, acho até que gostaria. Sinal de que há vida por trás daqueles que fogem do meu fedo.
Por muitos dias consegui alguns tipos de reação. A maioria das pessoas se afastou. Preferiram manter-se longe a reclamar do meu fedo. Outros ousaram pedir para eu tomar um banho sem mesmo perguntar por que eu não o tinha feito até então. Ninguém se juntou a minha causa. Sim agora já era uma causa.
Passei então, a ganhar muitos perfumes, caros inclusive, e receitas de desodorante. Queriam disfarçar o cheiro forte, nessa altura já incomodava muito, que saia de mim. Mas eu não aceitava nenhum. Comecei a perder um monte de “amigos”. Minha presença não alegrava mais. Era pesada. Causava um desconforto.
Um dia, triste, mas com os dois braços levantados, peguei o metrô para o centro. Cheio. Ali, onde muitos braços têm de ficar levantados, por outro motivo, mas ainda sim levantados, poderia me misturar e não ser um fedo para sociedade por um instante. Não, agora o mau cheiro estava incorporado em mim, fazia parte do que eu era. E na verdade eu gostava disso e muito. O que me deixava irritada era que apesar do incomodo ninguém fazia nada para cessar o fedo. E se todos ali de braços levantados estivessem fedendo? Será que assim iriam resolver o problema desse odor tão desagradável? Será que incomodaria alguém capaz de mudar a situação? Por quanto tempo agüentariam um monte de fedorentos desfilando com os braços levantados pelas ruas? Acho que todos deveriam feder um pouco mais ou muito mais, com os dois braços levantados para ver o que aconteceria. Mudaria alguma coisa?